5 de maio de 2009
As organizações da sociedade civil abaixo assinadas vêm a público manifestar, durante a semana do
meio ambiente, sua extrema preocupação com os rumos da política socioambiental brasileira e
afirmar, com pesar, que esta não é uma ocasião para se comemorar.
É sim momento de repúdio à tentativa de desmonte do arcabouço legal e administrativo de proteção
ao meio ambiente arduamente construído pela sociedade nas últimas décadas.
Recentes medidas dos poderes Executivo e Legislativo, já aprovadas ou em processo de aprovação,
demonstram claramente que a lógica do crescimento econômico a qualquer custo vem solapando o
compromisso político de se construir um modelo de desenvolvimento socialmente justo,
ambientalmente adequado e economicamente sustentável.
1. Já em novembro de 2008 o Governo Federal cedeu pela primeira vez à pressão do lobby da
insustentabilidade ao modificar o decreto que exigia o cumprimento da legislação florestal (Decreto
6514/08) menos de cinco meses após sua edição.
2. Pouco mais de um mês depois, revogou uma legislação da década de 1990 que protegia as
cavernas brasileiras para colocar em seu lugar um decreto que põe em risco a maior parte de nosso
patrimônio espeleológico. A justificativa foi que a proteção das cavernas, que são bens públicos,
vinha impedindo o desenvolvimento de atividades econômicas como mineração e hidrelétricas.
3. Com a chegada da crise econômica mundial, ao mesmo tempo em que contingenciava grande
parte do já decadente orçamento do Ministério do Meio Ambiente (hoje menor do que 1% do
orçamento federal), o governo baixava impostos para a produção de veículos automotores. Fazia
isso sem qualquer exigência de melhora nos padrões de consumo de combustível ou apoio
equivalente ao desenvolvimento do transporte público, indo na contramão da história e
contradizendo o anúncio feito meses antes de que nosso País adotaria um plano nacional de redução
de emissões de gases de efeito estufa.
4. Em fevereiro deste ano uma das medidas mais graves veio à tona: a MP 458 que, a título de
regularizar as posses de pequenos agricultores ocupantes de terras públicas federais na Amazônia,
abriu a possibilidade de se legalizar a situação de uma grande quantidade de grileiros, incentivando,
assim, o assalto ao patrimônio público, a concentração fundiária e o avanço do desmatamento
ilegal. Ontem (03/06) a MP 458 foi aprovada pelo Senado Federal.
5. Enquanto essa medida era discutida - e piorada - na Câmara dos Deputados, uma outra MP (452)
trouxe, de contrabando, uma regra que acaba com o licenciamento ambiental para ampliação ou
revitalização de rodovias, destruindo um dos principais instrumentos da política ambiental brasileira
e feita sob medida para se possibilitar abrir a BR 319 no coração da floresta amazônica, com
motivos por motivos político-eleitorais. Essa MP caiu por decurso de prazo, mas a intenção por trás
dela é a mesma que guia a crescente politização dos licenciamentos ambientais de grandes obras a
cargo do Ibama, cuja diretoria reiteradamente vem desconhecendo os pareceres técnicos que
recomendam a não concessão de licenças para determinados empreendimentos.
6. Diante desse clima de desmonte da legislação ambiental, a bancada ruralista do Congresso
Nacional, com o apoio explícito do Ministro da Agricultura, se animou a propor a revogação tácita
do Código Florestal, pressionando pela diminuição da reserva legal na Amazônia e pela anistia a
todas as ocupações ilegais em áreas de preservação permanente. Essa movimentação já gerou o seu
primeiro produto: a aprovação do chamado Código Ambiental de Santa Catarina, que diminui a
proteção às florestas que preservam os rios e encostas, justamente as que, se estivessem
conservadas, poderiam ter evitado parte significativa da catástrofe ocorrida no Vale do Itajaí no
final do ano passado.
7. A última medida aprovada nesse sentido foi o Decreto 6848, que, ao estipular um teto para a
compensação ambiental de grandes empreendimentos, contraria decisão do Supremo Tribunal
Federal, que vincula o pagamento ao grau dos impactos ambientais, e rasga um dos pontos
principais da Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, assinada pelo País em
1992, e que determina que aquele que causa a degradação deve ser responsável, integralmente,
pelos custos sociais dela derivados (princípio do poluidor-pagador). Agora, independentemente do
prejuízo imposto à sociedade, o empreendedor não terá que desembolsar mais do que 0,5% do valor
da obra, o que desincentiva a adoção de tecnologias mais limpas, porém mais caras.
8. Não fosse pouco, há um ano não são criadas unidades de conservação, e várias propostas de
criação, apesar de prontas e justificadas na sua importância ecológica e social, se encontram
paralisadas na Casa Civil por supostamente interferirem em futuras obras de infra-estrutura, como é
o caso das RESEX Renascer (PA), Montanha-Mangabal (PA), do Baixo Rio Branco-Jauaperi
(RR/AM), do Refúgio de Vida Silvestre do Rio Tibagi (PR) e do Refúgio de Vida Silvestre do Rio
Pelotas (SC/RS).
Diante de tudo isso, e de outras propostas em gestação, não podemos ficar calados, e muito menos
comemorar.
Esse conjunto de medidas, se não for revertido, jogará por terra os tênues esforços dos últimos anos
para tirar o País do caminho da insustentabilidade e da dilapidação dos recursos naturais em prol de
um crescimento econômico ilusório e imediatista, que não considera a necessidade de se manter as
bases para que ele possa efetivamente gerar bem-estar e se perpetuar no tempo.
Queremos andar para frente, e não para trás. Há um conjunto de iniciativas importantes, que
poderiam efetivamente introduzir a variável ambiental em nosso modelo de desenvolvimento, mas
que não recebem a devida prioridade política, seja por parte do Executivo ou do Legislativo federal.
Há anos aguarda votação pela Câmara dos Deputados o projeto do Fundo de Participação dos
Estados e do Distrito Federal (FPE) Verde, que premia financeiramente os estados que possuam
unidades de conservação ou terras indígenas. Nessa mesma fila estão dezenas de outros projetos,
como o que institui a possibilidade de incentivo fiscal a projetos ambientais, o que cria o marco
legal para as fontes de energia alternativa, o que cria um sistema de pagamento por serviços
ambientais, dentre tantos que poderiam fazer a diferença, mas que ficam obscurecidos entre uma
Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) e outra. E enquanto o BNDES ainda tem em sua carteira
preferencial os tradicionais projetos de grande impacto ambiental, os pequenos projetos sustentáveis
não têm a mesma facilidade e os bancos públicos não conseguem implementar sequer uma linha de
crédito facilitada para recuperação ambiental em imóveis rurais.
Nesse dia 5 de junho, dia do meio ambiente, convocamos todos os cidadãos brasileiros a refletirem
sobre as opções que estão sendo tomadas por nossas autoridades nesse momento, e para se
manifestarem veementemente contra o retrocesso na política ambiental e a favor de um
desenvolvimento justo e responsável.
Brasil, 04 de junho de 2009
Amigos da Terra / Amazônia Brasileira
Associação Movimento Ecológico Carijós – AMECA
Associação de Preservação do Meio Ambiente e da Vida – APREMAVI
Conservação Internacional Brasil
Fundação de Órgãos para a Assistência Social e Educacional – FASE
Fórum Brasileiro de ONGs e Movimentos Sociais para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento
–
FBOMS
Fórum das ONGs Ambientalistas do Distrito Federal e Entorno
Greenpeace
Grupo Ambiental da Bahia – GAMBA
Grupo Pau Campeche
Grupo de Trabalho Amazônico – GTA
I.E.S/SP
Instituto das Águas da Serra da Bodoquena - IASB/MS
Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia – IMAZON
Instituto de Estudos Socioeconômicos – INESC
Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia – IPAM
Instituto Socioambiental – ISA
Instituto Terra Azul
Mater Natura
Mira-Serra/RS
Movimento de Olho na Justiça – MOJUS
Rede de ONGs da Mata Atlântica
Sociedade Brasileira de Espeleologia
The Nature Conservancy – TNC
Via Campesina Brasil
WWF Brasil